domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pesperctivas com vista a permitir revitalizar o SNS – uma proposta de abordagem.


          O envelhecimento da população, o peso crescente da tecnologia e as condicionantes económicas impostas pela turbulência financeira que fustiga as finanças do chamado mundo ocidental vieram colocar novos desafios a valores anteriormente inquestionáveis pondo em causa a sustentabilidade do chamado Estado Social em geral e do sistemas de saúde em particular.
          Independentemente de questões filosóficas e de opções políticas, a violência dos números torna inevitável adaptar o SNS à realidade do tempo em que vivemos, racionalizando a sua utilização, tendo sempre presente que a racionalização nunca poderá ser infinita, havendo sempre o risco de via a ser insuficiente e obrigar repensar a filosofia de todo o SNS.
          Na sua génese, o objecto único de um qualquer Serviço de Saúde visava exclusivamente o tratamento doentes, baseado numa relação que envolvia apenas dois actores, o médico e o doente. Com a evolução da sociedade este tipo de serviço foi expandido de modo a procurar garantir uma resposta de maior qualidade técnica, científica e humana alterando a lógica de funcionamento e o perfil do utilizador, deixando de considerar o doente para passar a considerar o utente. Será que os procedimentos que foram acrescentados para tornar este serviço mais amigo do utilizador devem continuar com o mesmo peso orçamental ou deve o SNS centrar-se mais naquilo que é mais clamorosamente indispensável?
          Tomando como inegável que com recursos finitos não se pode garantir ao mesmo tempo excelência, universalidade e gratuitidade, o verbo racionalizar pode não ser suficiente no momento actual e naquele que se avizinham para garantir financiamento de modo a manter a qualidade de serviço a que fomos habituados, tornando desse modo real a imprescindibilidade de ir mais além.
          Como ponto de partida para uma reforma do actual sistema de saúdo penso ser fundamental dirigir a acção no sentido de racionalizar não só a oferta, mas também a procura, tendo sempre presente que o direito a uma assistência médica de qualidade não pode ser dissociado do dever de a utilizar de forma criteriosa e com civismo.
           Tendo presente que os gastos na promoção da saúde são um investimento e não um custo, como prova o facto de os diversos sistemas de saúde terem a sua génese na imposição do Governo conservador de Bismarck ao constatar que o custo das perdas de productividade devidas à doença eram superiores aos da imposição da obrigatoriedade dos seguros de saúde numa Alemanha que apostava na sua industrialização.
           Apesar das suas inegáveis vantagens, um Serviço de saúde é um bem indiscutivelmente caro e precioso que deve funcionar dentro de exigentes padrões pré-definidos, num quadro de contingência e não usado irresponsavelmente como um serviço de conveniência, seja pelo utilizador, seja pelo prestador.
          Aumentar a eficiência do serviço de saúde público é uma das formas de garantir a sua sustentabilidade e assim a sua viabilidade a médio prazo.
          Uma dos aspectos que não pode deixar de ser debatido é o acesso indiscriminado ao que de melhor a Medicina tem para dar, pois para continuar a tratar bem os doentes poderá não ser necessário garantir a excelência e os últimos avanços tecnológicos. Há que ter presente contudo que uma decisão deste tipo terá que ser fundamentalmente uma decisão política, baseada num novo contrato social, apoiada em critério clínicos mas nunca deixado o peso de tal responsabilidade exclusivamente na mão do médico, sob pena deste não o exercer devido à medicina defensiva, sendo imperioso fazer protocolos nacionais bem documentados e validados baseados numa racional relação custo benefício.
          Outro das vertentes que poderá ser questionada será se o dinheiro empregue para garantir o direito a uma hotelaria de qualidade, a um serviço centrado na satisfação do cliente não será melhor empregue para garantir a qualidade técnica do serviço ou para reduzir a carga fiscal e assim dinamizar a economia e o emprego.
          Há uma inegável necessidade de repensar o funcionamento dos serviços de saúde, mas uma tal tarefa não pode nunca ser feita de régua e esquadro, baseada em folhas de Excel num qualquer gabinete em Lisboa, nem pode ser feita contra os profissionais e contra os utilizadores
         Pegando nas palavras recentemente proferidas por Christopher Pollitt, é fundamental conhecer bem o terreno quando se avança para reformas tendo presente que os números que fundamentam as reformas são médias que escondem as profundas assimetria no que diz ao perfil do utilizador, seja relativamente à informação, à responsabilidade, bem como ao perfil do prestador, seja relativamente à sua diferenciação técnica, competência e empenho.
         Não se consegue aumentar a productividade penalizando directa ou indirectamente quem mais contribui para ela, pelo que a uma assimetria de desempenho dos prestadores deve corresponder a uma assimetria das compensações, logo das remunerações, algo que será sempre controverso e difícil de implementar, mas que é o modo de funcionamento da medicina privada, o que não ocorrerá certamente por acaso.
         No quadro meramente organizativo e de boa gestão dos recursos existente é imperativo reorganizar os serviços hospitalares, tendo presente que face à exigência de maior preparação relativamente ao tratamento de certas patologias e à pouca frequência de outras é imperativo optimizar recursos criando uma número limitado de centros diferenciados.
         Um dos campos onde também cabe a reforma do actual sistema de saúde é uma eficaz política do medicamento. Muito já tem sido feito neste domínio, muitas vezes sem a correcta avaliação dos efeitos colaterais, mas penso que neste domínio seria de ponderar a criação de um Formulário Nacional de Medicamentos para Ambulatório, semelhante ao que existe para uso hospitalar.
        Como nota final, resta ainda referir que os ganhos e os custos na saúde não se revelam muitas vezes no curto prazo e aquilo que muitas vezes parece uma poupança no curto prazo tem custos muito superiores a longo prazo para o doente e para a comunidade, arriscando eu dizer que em Medicina o barato não sai apenas caro, sai muito caro!

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