terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Escravatura auto-instituída


por Socialismo no Século XXI: uma Utopia, uma Mentira ou uma Solução?, domingo, 20 de Novembro de 2011 às 11:50
    
        Uma canção dos “Deolinda” lançou o mote para discussão sobre uma realidade que assola a juventude portuguesa e em geral toda a juventude do mundo ocidental. Uma geração cada vez mais qualificada que vai coleccionando títulos académicos é paradoxalmente confrontada com regimes de trabalho mais exigentes e menos remunerados que originaram o desabafo “para ser escravo é preciso estudar”.
            A autoproclamada “geração parva” é filha da geração que teve a melhor qualidade de vida de que há memória e que teve a oportunidade de educar os seus filhos e de lhes dar as melhores qualificações académicas, esperando que lhes fosse reservada uma qualidade de vida ainda superior à sua, que por sua vez tinha já sido melhor que a dos seus pais.
            Por muito cruel que possa ser o nosso destino, fomos nós mesmos que demos o nó da corda que agora se coloca sobre o nosso pescoço pronta a esticar, caso não aceitemos ser tratados como mercadoria por quem manda no dinheiro.
            Ao substituirmos os valores tradicionais por outros que hipervalorizam os bens materiais, as marcas “premium”, as últimas novidades tecnológicas, a moda, a aparência, a futilidade e o supérfluo, tornando a vida uma competição sem regras para alcançar o melhor que as agências de marketing nos querem impingir, subvertemos a espinha dorsal dos princípios que sustentam os pilares básicos duma sociedade solidária. Hoje em dia as pessoas valem não pelo que são, mas por aquilo que aparentam, numa escalada consumista que tudo parece justificar.
A actual sociedade perdeu o fio condutor de uma componente espiritual que moldava um conjunto de comportamentos, voltando-se apenas para o imediato, e associada à fácil modelação das leis que regulam os tribunais, deu fulgor à capacidade de explorar o homem pelo próprio homem.
            A ganância das grandes multinacionais e do sistema bancário induziu uma espiral de consumo de bens ou serviços, esgotando de forma irracional a nossa capacidade de endividamento.
            Para aumentar o volume de vendas e consequente aumento de dividendos, os grandes grupos económicos batalham todos os dias na procura de produtos cada vez melhores e a custos cada vez mais reduzidos.
            Para conseguir preços mais baixos para produtos com cada vez mais qualidade a solução passa, por um lado, por aumentar a escala da produção, conseguida através da construção de grupos económicos cada vez maiores através de aquisições e fusões entre empresas e passa por outro lado pela diminuição dos custos do trabalho conseguida com a redução do número de trabalhadores e respectivos salários. Temos assim muito mais exemplares do mesmo artigo produzido por menos trabalhadores que ganham vencimentos mais pequenos, para o que muito contribuiu a conseguida deslocalização da produção para países onde impera a mão-de-obra barata.
            Com a globalização os grandes grupos económicos conseguiram algo excelente para o consumidor: hoje em dia tem acesso aos mais recentes gadgets de sofisticada tecnologia a custos acessíveis, bastando para isso comparar o que custam e o que custavam artigos equivalentes há 10 anos atrás (telemóveis, TV, computadores portáteis, etc).
            Só que esta maravilha tem um pequeno senão: o consumidor só consome se tiver dinheiro e para conseguir a contracção de custos, muitos trabalhadores foram lançados para o desemprego e os que trabalham são obrigados a trabalhar em condições cada vez mais precárias.
            Para satisfazerem os seus interesses como consumidores, os ocidentais condenaram os seus postos de trabalho, oferecendo-os aos povos que em regime de quase escravatura enchem as prateleiras das nossas superfícies comerciais com produtos de qualidade a preços da china, consumindo-os sem se importar em que condições foram produzidos. Se calhar, os brinquedos que vamos dar aos nossos filhos no Natal foram feitos por crianças da mesma idade que trabalham horas a fio como verdadeiros adultos, mas isso não nos parece importunar a nossa consciência…
Se nada for feito em contrário, aos europeus só restará austeridade sobre austeridade e brevemente estarão tão pobres que não terão dinheiro para comprar os produtos a que habituaram, nem sequer para ter acesso aos serviços públicos de qualidade que durante décadas consideram garantidos e inalienáveis.
É evidente que num planeta com 7 mil milhões de habitantes, o dinheiro que começa a aparecer nos países emergentes tem de vir de algum lado e a capitalização das novas economias tem de vir da descapitalização das velhas economias.
De momento apenas os países periféricos estão a pagar a factura da globalização, mas ela vai acabar por chegar aos países mais industrializados, mais tarde ou mais cedo.
Para evitar soluções como as de 1939/1945 é urgente criar um novo paradigma de sociedade que permita a satisfação dos naturais anseios de uma vida com a qualidade que a tecnologia permite e da satisfação das ambições legítimas dos que querem progredir na sua vida profissional, abrindo caminho a novos horizontes do muito que a ciência ainda esconde, mas que isso seja feito de um modo mais harmonioso e equilibrado com os recursos do planeta.

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